Quase metade de todas as mulheres sofre de algum tipo de dor na relação sexual. Existem diversos tipos de dor sexual, causadas por situações das mais distintas, mas a grande maioria tem tratamento, e até mesmo cura.
A dor pode acontecer após o ato sexual, ou durante o intercurso deste ato sexual, apenas durante a penetração ou mesmo antes de a penetração acontecer.
Para algumas o problema não é constante, ou seja, a maioria das relações com penetração não é dolorosa. Porém, a dor acaba aparecendo em uma ou outra relação isolada, seja com a mesma parceiriaou outra. No entanto, outras pessoas podem apresentar dor em toda e qualquer tentativa de penetração. Em certos casos a pessoa sente dor sexual mesmo sem a penetração, apenas pelo estímulo da região genital.
Durante décadas as dores genitais foram classificadas utilizando termos patriarcalistas e misóginos (que oprimem as mulheres) que rotulavam as mulheres a partir de nomes como vaginismo, vulvodínia e dispareunia, motivo pelo qual deve ser abandonados por questões humanitárias. Modernamente todos estes termos deixaram de existir nas classificações de saúde DSM-V (2014) e a CID-11 (2022), motivo pelo qual devem ser abandonados também do ponto de vista técnico e científico. Modernamente as dores genitais, para qualquer pessoa (independente de gênero) são divididas em dores musculares (tipo 1) e dores conectivas (tipo 2).
Tipo 1 - Dores Musculares: são dores genitais dentro ou fora da vagina ou ânus, que acometem quaisquer músculos, sejam superficiais ou profundos do assoalho pélvico, formando pontos-gatilhos, contraturas e por fim encurtamentos. Devem ser tratados com um tripé de técnicas miofasciais compostas por 1) desativação de pontos-gatilhos; 2) massagem progressiva e 3) alongamentos progressivos.
Tipo 2 - Dores Conectivas: são causadas por aderências ou fibroses em tecidos conectivos (fáscias e/ou ligamentos), que podem acometer regiões de pele seca, mucosa (dentro da vagina ou ânus), submucosa (dentro dos pequenos lábios), tecidos subcutâneos (como as fáscias viscerais e parietais que cobrem os músculos), além de ligamentos profundos (como os ligamentos pericervicais do útero). Devem ser tratadas por um conjunto de seis técnicas de liberação miofascial conectivas exclusivas para este fim.
Há muito têm-se dito que estudamos história para aprender com e para evitar os erros do passado. Por este motivo, mantivemos abaixo, por razões históricas e educacionais, as definições antigas e já obsoletas dos tipos de dor genital.
Dispareunia: quando a mulher conseguia ter relações sexuais sem dor, mas em algumas vezes a dor aparece, de maneira repetitiva. Poderia haver dor no momento da penetração, durante o ato sexual ou mesmo antes de a penetração acontecer.
Vaginismo: quando a mulher jamais conseguiu ter uma penetração, seja pelo pênis, por um dedo ou pelo absorvente interno, tamanha a dor que acontecia sequer na tentiva de penetração.
Disfunção sexual não-coital: quando a mulher sentia dor genital, seja por um estímulo físico, como um carinho na região genital, ou a masturbação, ou mesmo por um estímulo psíquico (simplesmente de pensar ou ouvir falar em sexo).
Vulvodínia: quando a dor era na região vulvar (genitália externa, principalmente entre os pequenos lábios), em queimação ou beliscando/rasgando durante a penetração, sem que houvessem sinais de infecção (inflamação causada por microrganismos).
Há muita variação entre os casos, mas de um modo geral a dor sexual costuma se parecer com um queimor, um corte, uma agulhada, como o atrito de uma lixa, uma sensação de batida ou mesmo a sensação de rasgar, variando desde uma leve coceira até dor insuportável. Mas de um modo geral os tipos de dor podem ser resumidos em dois grandes grupos:
Dor em Agulha ou Dor Muscular
É um padrão de dor caracterizado por ser pontual e muito específico, descrito geralmente como agulhada, espetada, ponta de faca, etc. Para reproduzir o padrão de dor com fins diagnósticos, a fisioterapeuta pélvica deve pressionar o local da suposta dor e questionar à pessoa se a dor sentida é do padrão acima descrito. Dores em queimação ou coceira significam que dor suficiente não foi aplicado ao teste. Em caso positivo (a dor é em agulhada ou espetando), trata-se de uma dor de origem muscular (tipo 1).
Dor Rasgando ou Dor Conectiva
É um padrão de dor caracterizado por dor pontual como rasgando, beliscando ou "arrancando um pedaço". Para reproduzir este padrão com fins diagnósticos, a fisioterapeuta pélvica deve aplicar tração no local da suposta dor, buscando por sinais como os descritos acima. Dor referida como queimando durante o teste significa que não foi aplicada tensão suficiente ao tecido. Em caso positivo, trata-se de uma dor de origens conectivas (tipo 2).
Há uma série de fatores, internos (do próprio corpo) e externos (do meio) que podem causar dor na relação sexual.
Infecções vaginais
Dentre todas as causas de dor sexual secundária, a mais comum é a infecção vaginal por microrganismos, como fungos (cândida), bactérias (gardnerella) ou protozoários (trichomonas - lê-se 'tricomonas'). Infecções vaginais, especialmente na mulher sexualmente ativa, são quase tão comuns quanto resfriados, e tem tratamento simples e rápido.
A característica principal (mas nem sempre presente) da infecção é o corrimento, com ou sem cor, com ou sem odor. Também pode haver coceira ou hiperemia (vermelhidão) no local.
As infecções genitais podem ou não causar dor na relação sexual, e na primeira suspeita a mulher deve consultar imediatamente o médico ginecologista. Quanto mais cedo a infecção é descoberta, menor o incômodo, e mais rápido e simples é o tratamento, normalmente a base de comprimidos e/ou cremes especiais.
Hipertividade da MAP
A causa mais comum de dores genitais é, de longe, a chamada hiperatividade dos músculos do assoalho pélvico. Esta hiperatividade nada mais é do que uma espécie de aumento na "endurecimento" dos MAP, causado pelo fato desta musculatura trabalhar demais durante o dia-a-dia, não muito diferente do que aquele cansaço na região da nuca ou pescoço ao final de um dia longo de trabalho, uma tensão que vai se acumulando com o tempo mas que é fáci de tratar e resolver.
Incoordenação da MAP
A musculatura do assoalho pélvico (MAP), responsável pela pressão sentida na entrada da vagina durante o ato sexual, tem papel fundamental no ato sexual. É necessário que MAP relaxe para que a penetração seja possível e prazerosa, tanto para a mulher quanto para o parceiro.
No entanto algumas mulheres não conseguem relaxar a MAP, e o resultado do "aperto" excessivo ao redor do pênis é uma dor na mulher, semelhante àquela que acontece por conta da primeira relação sexual. Esse problema de incoordenação da MAP e causador de dor, é mais comum do que se imagina (afetando cerca de 15% das mulheres) e é tratado com fisioterapia.
Dor neurogênica (neuralgia)
Dores neurálgicas são relacionadas a algum mal funcionamento da inervação. Nervos são como fios elétricos percorrendo o corpo. De fato, eles elevam estímulos elétricos do cérebro para os órgãos e músculos (por exemplo para produzir movimento), e dos órgãos e músculos para o cérebro (para que possamos perceber sensações como frio, sabor, dor, etc).
Há um equilíbrio para o funcionamento dos nervos - uma quantidade certa de energia elétrica passando por eles. Quando há um caso, por exemplo, de hipersensibilidade de um determinado nervo, significa que energia demais está passando em um determinado nervo. O resultado é que o cérebro receberá a informação amplificada: o que deveria ser a sensação de um suave carinho é recebido pelo cérebro como um arranhar doloroso.
Alguns casos de dor sexual, especialmente de vulvodínia, são causados por hipersensibilidade nervosa. O que deveria ser uma sensação de toque suave na região genital acaba sendo percebido como dor. Casos de dor sexual primária são, normalmente, causados por problemas neuropáticos, psicológicos ou uma associação dos dois.
Traumas físicos
Tecnicamente se usa o termo "trauma" como sinônimo de lesão, ou "machucado". Dor sexual pode ser causada por traumas físicos, como as lesões decorrentes de um parto complicado, um acidente automobilístico ou um efeito indesejado de uma cirurgia perineal. Um parto complicado, por exemplo, pode lesionar a inervação local, levando aos efeitos da dor neurogênica, descrita acima.
Traumas psicológicos
A dor sexual pode ser fruto de situações de estresse psicológico sobre a sexualidade da mulher, como por exemplo uma criação muito rígida (que proíba, por exemplo, a masturbação), abuso sexual na infância ou secundário à estupro. Em grande parte
O fato de o estresse emocional ser inconsciente significa que, na maioria dos casos, a mulher nem mesmo desconfia da sua existência. Noutros termos, ela não lembra que, algum dia, passou por algum evento que acabou se tornando traumatizante, e tempos depois ocasionando a dor sexual. Ou, se ela lembra do evento, não consegue associá-lo à dor.
É fundamental o acompanhamento do psicólogo, que investigará a existência de conflitos, as origens do problema e as possíveis soluções.
Lembre-se de que existem diferentes tipos de dor na relação sexual, que podem ser causadas pelas situações mais distintas. Pelo fato de a hiperatividade dos MAP ser a causa mais comum de dores genitais, a primeira coisa a se fazer quando se percebe alguma dor ligada à relação sexual é consultar uma fisioterapeuta pélvica para identificar qual o problema e o que o está causando. É o que chamamos diagnóstico cinesiológico-funcional, a partir do qual a fisioterapeuta vai tratar o probolema ou encaminhar para outro profissional de saúde, quando for o caso.
O tratamento só vai funcionar com o diagnóstico correto. De acordo com o tipo de problema, o tratamento se resume basicamente em farmacoterapia (medicamentos), psicoterapia e fisioterapia pélvica especializada.
Tratamento farmacológico
O medicamento, prescrito pelo médico ginecologista, pode ser voltado ao combate de infecção vaginal, ao combate dos sintomas neurálgicos (neuropáticos, ligados a problemas na inervação), ou ao combate da ansiedade ou outro problema psíquico.
Importante: Jamais se medique sem prescrição médica. O uso equivocado de medicamentos pode causar reações indesejadas e consequências irreparáveis.
Tratamento psicológico
Casos de dor psicogênica, comuns por exemplo em casos de vulvodínia, assim como os de incoordenação da MAP, comum nos casos de vaginismo, estão quase sempre associados a algum estresse emocional, quase sempre inconsciente. O psicólogo investigará eventuais conflitos e as origens do problema. Estar ciente do evento que desencadeou todo o processo de dor é o primeiro passo para entendê-lo, enfrentá-lo e assim resolvê-lo.
Qualquer situação que envolva a sexualidade influencia intimamente o emocional. É fundamental que problemas de dor sexual sejam acompanhados por psicólogo especializado.
É comum que os diferentes tipos de dor sexual tenham algum componente físico relacionado. E este componente pode e deve ser tratado com fisioterapia específica. Técnicas visando a melhoria do conhecimento corporal, da consciência genital, da elasticidade da entrada do canal vaginal e da coordenação motora da MAP, são algumas das ferramentas que o fisioterapeuta especialista dispõe para o tratamento das dores genitais de qualquer pessoa, independente do gênero.
Liberação Miofascial
De um modo geral as dores musculares (tipo 1) são tratadas por um tripé de técnicas miofasciais compostas por 1) desativação de pontos-gatilhos; 2) massagem progressiva e 3) alongamentos progressivos, enquanto as dores conectivas (tipo 2) são tratadas pelas seis técnicas miofasciais conectivas, um conjunto de manipulações dos tecidos conectivos realizado de forma progressiva e com enfoque na reprogramação neurocentral da dor.
A fisioterapia para as disfunções de dor sexual, hoje, fazem parte do chamado padrão áureo de tratamento deste tipo de problema, o que significa o tratamento faz parte da opção de primeira escolha para os grupos de estudo e tratamento mais importantes do mundo.
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